A guerra em “águas turvas” (Parte II) Versão para impressão

                            A Guerra em “águas turvas” (Parte II) privatizacaoˍguerraˍ2

     Sabe-se que não é a primeira vez que os Estados Unidos usam empresas privadas para dar apoio ao exército em situações de conflito: já o fizeram na Bósnia e no Afeganistão. Mas nunca esse uso foi tão intensivo, nem nunca o exército esteve tão dependente destas empresas. Os números são incertos, mas calcula-se estar no Iraque 180 empresas por contrato com os militares.
   
Segundo o jornal Los Angeles Times, neste momento existem mais funcionários destas empresas no Iraque do que soldados americanos (180 mil para 160 mil). E o problema é que tendem a não se distinguirem dos exércitos regulares.

   Armas na mão, sempre prontos a disparar, condução a grande velocidade e em sentido contrário, mesmo pelo centro das cidades, para abrir caminho aos carros que protegem. Constituindo-se, não como uma forma de combate ao terrorismo, mas como mais uma forma de terror. O coronel Karl Horst, subcomandante da 3.ª divisão de infantaria, reconhece que estas empresas começam a revelar-se como mais um factor de insegurança, “semeando o ódio, por causa do seu comportamento irresponsável”.

mercenarios   O maior problema é que a sua actividade processa-se numa espécie de vazio legal, pois, por um lado, à luz do direito internacional, não podem ser considerados combatentes e, por outro, enquanto o pentágono não regulamentar legislação que os sujeite aos tribunais militares, operam na total impunidade. Ou seja, esse vazio legal impede que respondam por eventuais abusos ou crimes.
     O que nos interessa aqui, no entanto, não será a questão estritamente politico-militar, mas o problema da legitimidade e dos perigos que pode acarretar a entrega de determinadas funções específicas (como a da guerra) a empresas privadas, que não obedecem a nenhuma lógica de comando hierárquico controlado pelo poder politico, nem a requisitos estabelecidos pelas convenções internacionais. Tratando-se, no fundo, de uma mercenarização da guerra, existe o perigo da entidade contratante perder o controlo da contratada. Tal como aconteceu na Europa medieval, os exércitos mercenários não eram movidos pela obediência ao Rei ou ao senhor, nem tão pouco por um sentimento de “reino”, mas simplesmente pela expectativa do saque, da partilha dos despojos de guerra, pois é esta a natureza da actividade mercenária: o saque.

     Como diz a eurodeputada Ana Gomes (in Courrier Internacional, 18/Out/2007): “A crescente privatização da guerra é uma regressão – ao estado deve caber o exclusivo do uso da força legítima (…). E é um desenvolvimento muito perigoso: (…) Coloca milhares de aventureiros armados até aos dentes a agirem fora do controlo de qualquer lei civil ou militar.”

 

Fontes: Jornal Público de 24/Set/2007 e 7/Out/2007 
           Courrier Internacional de 18/Out/2007